quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O Nome da Rosa - Umberto Eco

Uma vida cor de Rosa

            A vida de um escritor não é fácil. Há quem pense que escrever livros é uma tarefa que custa algum trabalho e algum esforço, porém que traz muitos frutos – leia-se dinheiro. Isso seria por causa das obras modernas que estamos acostumados a ouvir falar por aí e a ver sempre dispostas nas prateleiras das melhores livrarias. Basta uma boa olhada nessas mesmas livrarias para percebermos que o número de escritores iniciantes vem crescendo a cada ano. Também pudera, ainda que as chances de sucesso sejam ínfimas, quem não gostaria de ter o nome imortalizado numa capa de livro ou – se a sorte ajudar – popularizado por artigos de jornal e quem sabe até uma pequena divulgação na tela da TV?

            O que poucos sabem é que um livro custa muito mais tempo de pesquisa do que de escrita. Um livro bom, claro. Livros de qualidade, livros com enredos e personagens que vão ficar na sua memória mesmo anos depois de lidos, livros que mereçam ser chamados de grande literatura, imortais: esses são a meta raramente atingida por homens e mulheres que se empenham em demonstrar através de papel e tinta um universo imenso e minúsculo ao mesmo tempo, um microcosmo do tamanho do ser humano.

        É o caso de O Nome da Rosa, romance de estréia de Umberto Eco, que tinha quarenta e oito anos de idade quando o publicou.



            O Nome da Rosa conta a história de dois religiosos – um frei franciscano de origem britânica e um noviço beneditino de origem austríaca –, que um pouco antes do inverno de 1327 chegam a uma abadia franciscana nos Apeninos setentrionais italianos. A abadia é famosa por sua extensa biblioteca, recheada de importantes e raras obras, que porém possui estritas normas de acesso. O frei, Guilherme de Baskerville, e o noviço, Adso de Melk, precisam organizar uma reunião entre os delegados do papa João XXII e os líderes da ordem franciscana, onde se realizará uma discussão sobre a suposta heresia da pobreza apostólica, uma doutrina promovida por uma ramificação dos franciscanos, os ditos espirituais. A tarefa já complicada fica ameaçada por uma série de mortes dentro dos muros da abadia que os monges supersticiosos – ouvindo as instâncias de um velho monge e ex-bibliotecário chamado Jorge de Burgos – creem ser iguais a algumas passagens do livro do apocalipse.

      Guilherme e Adso, ignorando em muitos momentos as normas da abadia e principalmente da biblioteca, procuram solucionar o mistério dos assassinatos e acabam descobrindo que tudo parece girar em torno da existência de um livro, obra esta que parece estar matando aqueles que o possuem.

            A narrativa é permeada pelos mais diversos temas e listá-los aqui só deixaria mais confuso o que já é por demais complicado. Basta dizer, resumidamente, que Guilherme de Baskerville encarna ambos Guilherme (William) de Ockham, o criador da “navalha de Ockham”, e o personagem mais famoso de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes (Baskerville, como em O Cão dos Baskerville); Adso de Melk, seu fiel discípulo, encarna o Watson de Sherlock Holmes enquanto o Melk de seu nome serve para lembrar o leitor da abadia de Melk, famosa por sua biblioteca; o velho monge Jorge de Burgos é uma homenagem do autor a Jorge Luís Borges, que muito lhe influenciou na carreira, e que devotou sua vida aos livros e ficou cego no fim da vida, também incorpora a devoção religiosa, contrapondo-se a Guilherme, que vem representar a metodologia cartesiana – ainda que pré-Descartes – e o raciocínio lógico; temos também naquele tempo o tema da severidade religiosa versus a graça, o riso (teria Jesus rido alguma vez em sua vida?); a posse e a riqueza versus o desprendimento material (Jesus era proprietário de alguma coisa? E os apóstolos? Possuíam algo?); a pureza do espírito contra as máculas do corpo, especificamente, a vida monástica e o celibato contra o prazer carnal (afinal, quem é a tal da Rosa do título do livro?). E mais. Muitos mais.

            Descrevendo uma trama labiríntica como a biblioteca da abadia, Umberto Eco traça um retrato fiel e plausível do dia a dia em uma sociedade religiosa do século XIV. Utilizando seus profundos conhecimentos como medievalista, o autor vai contando detalhadamente as ações malignas e motivações do assassino ao mesmo tempo que assinala os processos dedutivos do detetive Guilherme de Baskerville e seu fiel aprendiz.



           A leitura não é simples. O Nome da Rosa não é fácil. Nem ao menos é confortável. Trata-se de uma obra que precisa ser lida com cuidado e com dedicação, com vagar e esmero. Eco simplesmente deixou intraduzidas todas as passagens em latim. E há dezenas de passagens em latim ao longo do texto. Em entrevistas, costuma dizer que “Se a missa católica foi rezada em latim durante séculos sem que ninguém entendesse nada, então por que motivo eu tenho que explicar o que está escrito ali?” A descrição de paisagens, pessoas e contexto histórico das primeiras cem páginas são exaustivas. Eco diz que “Assim como um noviço, meus leitores precisam passar por uma iniciação para que possam entender o que vem mais tarde e também para que possam se acostumar com o ritmo da obra.” Verdade seja dita, Eco não escreve para os apressados e muito menos para os superficiais.

         Finda a leitura, experimentamos o alívio mesclado com o sofrimento do fim da epopeia de sete dias nos alpes italianos. Os personagens cativantes dão seus adeuses e seguem suas jornadas. Fica na boca o sabor agri-doce do final feliz que não é feliz e do mistério solucionado tarde demais. Fica no peito uma dor que não dói, uma tristeza gostosa e uma lembrança que nem ao menos é nossa.

            Umberto Eco já era professor universitário e autor de vários livros de semiótica, sua área de especialização. Como diz Dante, “já passara da metade do caminho da nossa vida” e já estava casado. Bem humorado, disse que “Naquela idade só se pode fazer duas coisas para espantar o tédio da vida: arranjar uma menina nova e fugir de casa ou escrever um livro. Minha esposa preferiu a segunda opção.” Até aquele momento, quando decidiu expor suas idéias por escrito, onze anos de pesquisas haviam se passado. Daí em diante foram dois anos de escrita. Eco esperou o momento certo para começar sua carreira como escritor e a oportunidade exata para publicar suas idéias.


            Grazie, Umberto.


Ricardo M., 10/09/2015 (lido em português e italiano)