Chinua Achebe e a África despedaçada
“O Mundo se
Despedaça” ("Quando Tudo se Desmorona" em Portugal e Things Fall Apart no original) é um
romance que conta duas histórias entrelaçadas, porém centradas no mesmo
personagem, Okonkwo.
Na primeira, em uma aldeia nigeriana do
século XIX onde o equilíbrio, a ordem e os costumes vinham sido mantidos os
mesmos por gerações sem conta, vamos vendo através dos olhos do chefe da tribo
a desestabilização da antiga paz em detrimento de novas maneiras de pensar e de
agir. Testemunhamos Okonkwo, o homem forte, o guerreiro poderoso da aldeia da
etnia Igbo (Ibo, no romance) entrar em choque com os preceitos tribais em que
vive, simbolizando a eterna luta entre o grupo e o indivíduo.
Na segunda, um relato tão moderno quanto o
tom de antigüidade da primeira história, vemos a chegada do homem branco com sua
religião, sua educação, suas leis, sua política e sua língua. A imposição é
dura aos olhos de Okonkwo, porém branda e até mesmo desejável aos olhos de
muitos membros da tribo. Contudo, a inexorável invasão branca mostra a
devastação causada pela cultura européia no seio da África, num desenvolvimento
desenfreado e agressivo, incutindo no livro um ar de irremediável tragédia.
Okonkwo luta contra todas essas mudanças
que cercam sua aldeia. Entretanto, sua gente aprecia a chegada das novidades,
como a nova religião, que prega um único deus, e que aceita de bom grado em seu
meio os até então marginalizados pela sociedade Ibo: mulheres, jovens sem rumo
na vida e até mesmo os párias da tribo. Até mesmo o primogênito de Okonkwo,
Nwoye, adere ao novo culto.
O romance, com seu apelo sensível, que
parece vir das profundezas da própria terra, nos toca e nos faz pensar. O
indivíduo versus a sociedade, o antigo e imutável versus o novo e desconhecido.
Ambas histórias, em perfeita harmonia, vão descrevendo a vida humana, suas
motivações, suas misteriosas compulsões, seus anseios e frustrações, pintando
na tela da história o quadro agridoce da existência neste mundo.
Escrito em inglês em 1958 e já traduzido
para mais de quarenta idiomas, a obra de Chinua Achebe é freqüentemente considerada como a mais importante da
literatura africana, por ter dado início a literatura africana moderna e por
ser o relato monumental, duradouro e fiel de uma sociedade em transição, escrito
por alguém de dentro dela. Dois anos depois, teríamos a independência da
Nigéria. Graças à abertura possibilitada por Achebe, a literatura africana – e
mais especificamente a nigeriana – contam com muitos e prolíficos autores, como
o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1986, Wole Soyinka e, atualmente, a também nigeriana Chimamanda
Ngozi Adichie, que goza de
grande fama e boa reputação devido aos seus romances de grande vendagem.
Ricardo Machado 27/9/2014 (lido em inglês)