domingo, 1 de maio de 2016

Os da Minha Rua - Ondjaki

Aurora de nossas vidas

            Infância é essa curta parte inicial de nossas vidas onde tudo que é importante se define e se desenvolve. É a primeira etapa desta corrida contra o tempo a que chamamos vida, a base, o alicerce do que fomos, do que somos. Nada mais natural do que sentir saudades desse tempo, alimentar nostalgias e idealizar o passado de que fizemos parte ou que fez parte de nós mesmos.



            Os da minha rua, do escritor angolano Ondjaki é o que se pode chamar de coletânea de contos, aparentemente organizados sem ordem cronológica, que vão contar acontecimentos de sua infância em fins dos anos 80 e início dos 90. A composição do livro é de 22 textos curtos que podem ser lidos de forma independente, como contos, ou como capítulos. O menino Ndalu (nome real do escritor Ondjaki), às vezes chamado de Dalinho, é o protagonista que narra suas aventuras em Luanda, a capital Angolana. Tudo aqui é contado pela perspectiva de uma criança: encontros com amigos, brincadeiras, o dia a dia na escola, personalidade de parentes, conversas com os pais.

Eu tenho saudades da infância. Acho que é natural. Todas as pessoas, em dada altura da sua vida, tem saudades da infância.
Ondjaki, em entrevista.

Os da minha rua é um livro que pode bem ser chamado de hino à infância, à todas as crianças, aos risos, aos jogos e brincadeiras, aos primeiros amores e  à constante descoberta de um mundo vasto, quase infinito. É uma ode à amizade, à família, à natureza, à memória. Na voz de Ndalu, Ondjaki nos relembra de um universo infantil que parece estar se afastando de nós a cada dia. Sua infância, de seus amigos e de primos, foi uma época em que brincavam na rua, subiam em árvores para colher frutas, participavam de desfiles escolares, reuniam-se ao redor dos mais velhos para ouvir suas histórias.

Ondjaki, Neste livro curto, feito de pequenas histórias, Ondjaki, consegue inserir todas essas informações e adicionar uma mancheia de poesia com uma escrita divertida e emocionante, que nos transporta para a recordação de nossa infância, para a inocência dos tempos em que a vida era simples e os risos bem mais fáceis. 

A vida às vezes é como um jogo brincado na rua: estamos no último minuto de uma brincadeira bem quente e não sabemos que a qualquer momento pode chegar um mais velho a avisar que a brincadeira já acabou e está na hora de jantar”.

Mas certamente a narrativa dá a entender que nem tudo era um mar de rosas para as crianças de Luanda. Misturando memórias com acontecimentos históricos, Ndalu vai compondo o quadro social de seu país: explorado à exaustão por Portugal para então se libertar e cair numa guerra civil de proporções colossais. O livro também é um convite para conhecer uma obra originalmente escrita em português vinda de um país lusófono que não seja o Brasil ou Portugal, bem como despertar o interesse pela história de Angola.



            Vale a pena também comprovar a presença brasileira em Angola através de novelas e da música. Boa parte do livro tem comentários sobre novelas brasileiras, como O Bem-Amado e Roque Santeiro. Outro de nossos heróis também era muito apreciado por aquelas bandas: Roberto Carlos, cujas músicas eram bastante conhecidas do publico angolano.

Para os que ainda não se aventuraram pelos livros de escritores africanos e lusófonos: vocês ainda não sabem o que estão perdendo. A forma com que se utilizam da língua que usamos diariamente aqui aparece lá de formas mais musicais e mais doces, quase uma língua nova, vivaz e alegre. A narrativa usa uma linguagem simples, repleta de oralidade e frases curtas. Foi bastante divertido descobrir palavras e expressões desconhecidas no Brasil e em Portugal (o livro conta com um glossário nas últimas páginas). Creio que podemos dizer-nos privilegiados por podermos compreender aqui o que dizem por lá, do outro lado do atlântico e, se por vezes alguma palavra nunca antes vista ou expressão desconhecida surge, assim, como quem não quer nada no texto, isso só aumenta o prazer e amplia o interesse na leitura.


Ricardo M. 01/Maio/2016