Quando heróis morrem
O
chileno Luís Sepúlveda, militante político, jornalista e escritor nas horas
vagas, era amigo de Chico Mendes. Aquele, o brasileiro que morava na amazônia.
Os dois se conheceram quando Sepúlveda estava trabalhando em uma pesquisa sobre
o impacto da colonização sobre os índios Shuar, no Equador. Bons amigos.
Chico
Mendes estava mais preocupado com a flora e a fauna da amazônia. Queria que os
animais fossem deixados em paz e desejava que a vegetação virgem continuasse
assim. Porém não era tão fácil deixar a natureza em paz e ele precisava lutar para
mantê-la intocada, pois madeireiros estavam estuprando a mata virgem, um campo
de futebol por dia. Ele também queria proteger os seringueiros, que são pessoas
que se contentam em raspar cascas de árvores até elas sangrarem uma seiva
branca que mais tarde vai ser tornar borracha. A árvore não precisa ser
derrubada, nem cortada ao meio, nem morre durante o processo. Anos depois ela
pode ser reutilizada para o mesmo fim e os seringueiros se contentam com os
poucos reais que esse trabalho insano e totalmente necessário para nossa vidas
lhes são pagos. Caras legais, os seringueiros. Sabem usar a natureza sem
destruí-la. Contudo tem os madeireiros. Os que se dão ao trabalho de ir até o
meio do mato atrás de pau. Esses caras tem
a faca e o queijo na mão.
Muita
gente não sabe, mas o corte de árvores é bom em alguns casos, ainda mais se a
área necessita de revitalização ou faz parte de trecho de reflorestamento.
Reflorestamento é isso de plantar árvores para ir cortar elas uns anos mais
tarde e plantar novas mudas para repor as cortadas. O planejamento bem feito da
extração de madeira desses locais elimina riscos de danos ao meio ambiente em
até 99%. Muito bem, muito bom. Mas daí entram no jogo madeireiros, que cortam
árvores raras, em locais protegidos e em quantidades enormes.
Chico
lutava contra essas pessoas. “Lutava”, do verbo “tentava dialogar”, “mostrar os
erros”, “apontar novas saídas”. Os madeireiros, sem conseguir entender algo tão gentil e pacífico, acharam que lutar era no sentido de “atacar sem dó” e mataram Chico
Mendes, com tiros de escopeta, em sua própria casa. O governo brasileiro fez
pouco e demorou bastante para fazer. De certa maneira, pode-se dizer que os
assassinos podem ser reconhecidos onde quer que vão e não sofrem retaliação
por seus atos.
Eis
que o amigo de Chico Mendes, Luís Sepúlveda, estava trabalhando em um livro
sobre o amigo seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista
brasileiro, que infelizmente, nunca pode ver a homenagem que lhe foi prestada.
Chico foi morto em dezembro de 1988 e o livro foi lançado em 1989.
O
velho que lia romances de amor conta a história do velho António José Bolívar
Proaño, colono de uma vila ribeirinha e conhecedor da selva amazônica. É um
homem de sessenta e tantos anos que vivera um tempo com os índios Shuar e, por
isso, conhece bem os caminhos da selva, sabe como caçar e pescar como ninguém
na vila e está mais adaptado à selva dos que os demais moradores. Seu
passatempo é ler romances de amor. Gosta de histórias tristes, de partir o
coração, histórias que fazem chorar e deixam o coração apertado. Ele degusta
esses romances como quem degusta um bom vinho, lentamente, gole a gole, palavra
por palavra, repetindo trechos que gosta e relendo as mesmas histórias
repetidas vezes.
António
José Bolívar sabe que não pode lutar contra a natureza do local. Entende que
quase tudo que for plantado ali vai perecer, que animais domésticos não se
adaptam bem àquelas paragens, mas da mesma forma entende que a natureza ao seu
redor provê mais do que as plantações dos colonos. Ele não se preocupa em
entrar no mata para caçar macacos – cuja carne é mais rica em proteína do que a
bovina, diz ele – e nem se incomoda ao ser beliscado por lagostins durante a
preparação de seu almoço. É tratado como índio pelos demais. Mas ele não se
importa.
Certo
dia, uma canoa levando alguns índios aparece no cais do rio. Os índios estão
com o corpo de um americano morto, corpo que encontraram no meio da selva, e não
sabem o que fazer com ele. A autoridade da cidade, o prefeito gordo e
antipático, já sai acusando os índios de assassinato, mas é impedido antes de
tomar qualquer atitude disparatada pelo antigo membro da população indígena,
António José Bolívar. Descobre-se então que o “gringo” – está assim no livro –
havia matado os filhotes de uma jaguatirica, que o matara e que agora, tomada pela
dor, procura se vingar matando todos em seu caminho. Cabe a António José
Bolívar adentrar a selva e acabar com a ameaça.
Tem o filme também. Com o Richard Dreyfuss. Melhor ler o livro.
A
narrativa curta deixa claro que a natureza deve ser respeitada, pois não quer e
não vai ser domada facilmente. Sempre que houver o embate entre homem e
natureza, um deles irá, inevitavelmente perder, muitas vezes os dois, pois a
convivência pacífica é muitíssimo difícil de ser encontrada, e na maioria das
vezes os seres humanos não estão prontos para aceitar os termos impostos pela
lei natural.
O
leitor começa a leitura se colocando na posição de António José Bolívar (o
homem que compreende e respeita a natureza versus o prefeito, que odeia a
natureza), para depois se colocar na situação da jaguatirica (a natureza em estado
absoluto). Entretanto, o embate entre António José Bolívar e o animal selvagem
é inevitável e a tensão vai aumentando a cada página. No final, quando estamos
prestes a descobrir quem vencerá a batalha, fica difícil encontra uma posição
comfortável, pois desejamos que ambos se unam e se auxiliem mutuamente, que os
dois vençam. Porém isso é impossível.
Ricardo
M. 2017/Mar/30 (lido em espanhol)