domingo, 14 de setembro de 2014

Istambul - Orhan Pamuk

Pamuk e Istambul: um caso de amor e arte

            Desde minha leitura de “Neve”,  que muito me agradou e que estimo como um belo, trágico exemplar de “romance político” (se é que tal gênero existe), tomei interesse pelo Prêmio Nobel turco Orhan Pamuk. Seus comentários inteligentes em entrevistas, bem como a perseguição e censura reincidentes do próprio país contra seu grande escritor instigaram-me ainda mais em conhecer melhor sua vida e obra.




            Por essas razões, decidi-me por ler “Istambul”, obra de caráter, em parte, autobiográfico. Digo “em parte” porque “Istambul” é mais do que mera autobiografia. Pamuk, apesar de seu sucesso internacional, jamais abandonou sua cidade natal e continua a viver em Istambul até hoje. Por conseguinte, ao recordar sua própria história – a família, a infância, adolescência e maturidade - Pamuk também rememora inevitavelmente a história da própria cidade, com seus artistas, jornalistas, historiadores e poetas que, de diversas maneiras, influenciaram o escritor turco.

            Nessa relação entre cidade e autor é que jaz a beleza deste livro. Pamuk ama Istambul de todo o coração e sua paixão pela cidade se reflete nas belíssimas descrições de suas vielas abandonadas, suas mesquitas magníficas e suas antigas mansões que incêndios do passado riscaram da paisagem da cidade. Istambul salta das páginas com cor e textura vívidas, que prendem o leitor e compelem-no a também perambular e perder-se, já apaixonado, pelos caminhos misteriosos dessa cidade imersa em neblina, ao mesmo tempo fascinante e melancólica.

           Além de rememorar importantes acontecimentos na história de Istambul, Pamuk nos relata simultaneamente a saga de sua grande família. E que história! A relação conturbada dos pais, as brigas, bem como a amizade com o irmão mais velho, as aventuras criadas pela imaginação sem fronteiras do jovem Orhan – Pamuk põe em tudo e em todos um tom romanesco tão forte, que por vezes esquecia-me de que lia uma biografia. A história do menino tímido que gostava de pintar dá notas de romance de formação, mas não ao ponto de prejudicar o dueto real, vivido e sofrido, entre cidade e escritor.

            “Istambul” é deveras um belíssimo livro de memórias. Pamuk rememora com sensibilidade não somente sua história pessoal e familiar, como também a da própria cidade. Os caminhos do jovem Orhan e Istambul estão de tal maneira interligados que se confundem, criando um labirinto do qual emergem sucessivamente querelas familiares, história, infância, passado otomano, primeiro amor, arte... Seduzidos por uma narrativa leve, envolvente, descobrimo-nos logo perdidos pelas vielas, pontes cemitérios, lojas e ruínas desta cidade bipartida entre Oriente e Ocidente. A cada página, a cada esquina visitada, passamos a partilhar com seus habitantes da melancolia de Istambul, que tamanho fascínio exerceu sobre um jovem artista que perambulava suas ruas em busca de sua verdadeira vocação.


Filipe Kepler 14/09/2014 (lido em inglês)

Um comentário:

  1. Olá. Te indico "Meu nome é vermelho" do autor. Uma história contada por muitos narradores, sendo eles pessoas, árvores, cães e cores. Maravilhosoo

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