sábado, 19 de março de 2016

Graça Inifinita – Infinite Jest – David Foster Wallace


Partidas de tênis, drogas e Netflix

            Há uma certa agitação no ar, um pouco de ansiedade e muita expectativa com os vinte anos de lançamento de Infinite Jest. Agitação por conta de fãs de carteirinha da obra, ansiedade por conta de novos leitores aficionados pela história e expectativa por conta dos que estão por se aventurar naquelas terras ainda desconhecidas.






















Infinite Jest, com o título mais do que adequado de Graça Infinita no Brasil, é, a história de um garoto, Hal Incandenza, um jogador de tênis. Porém, quem já leu sabe – e deve estar incomodado com o simplismo –, não é só isso. Não somente não é só isto, como também é muito mais, tanto mais que nem ao menos se sabe por onde começar.

Tentemos, pois.
A obra gira em torno do protagonista, Hal Incandenza, o mais jovem membro da família Incandenza, um garoto talentoso e muito inteligente, mas que não tem muita segurança sobre suas habilidades. E de seu estado de saúde mental também. Ele possui uma memória fotográfica e memorizou todo o Oxford English Dictionary (como alguém no Brasil memorizar todo o Houaiss). Parte da trama do livro fica por conta da busca dos assassinos de cadeiras de rodas pela cópia original do cartucho intitulado Infinite Jest. No livro, Graça Infinita é um dos filmes produzidos pelo pai de Hal, James Incandenza, cineasta e fundador da Academia de Tênis de Enfield. O filme é tão interessante e divertido que seus espectadores perdem o interesse em tudo mais e seguem assistindo o filme, ininterruptamente, até morrerem, logo sendo considerado a forma de entretenimento perfeita. Separatistas da região do Quebec, no Canadá, visam utilizar o filme para causar atos de terrorismo nos Estados Unidos, lançando no mercado cópias do tal filme que mata.  Boa parte da ação também acontece na Casa Ennet para a Recuperação de Viciados em Álcool e Drogas, a Ennet house onde Joelle Van Dyne, chamada “A Garota Mais Bonita de Todos os Tempos” e também atriz participante do filme Graça Infinita, está se tratando por abuso de substâncias tóxicas. E como isso tudo se encaixa numa história só?

Sendo um romance pós-modernista – sabe, né? Aquilo de narrativa fragmentada, paradoxo, narrador no qual não se pode confiar e tal – Graça Infinita conta com as marcantes descrições psicológicas de seus personagens para se manter coeso e, em vários casos durante as mais de mil páginas do livro, conta com o surreal para manter o interesse do leitor. David Foster Wallace se utiliza, em doses cavalares, de jocosidade (daí o jest do Infinite Jest), ironia e humor negro. Dentro do reino de Graça Infinita, relatos anedóticos improváveis, porém passíveis de riso, servem de introdução para histórias hilárias sobre a vida cotidiana e suas desgraças, que levam os leitores às gargalhadas, por mais hediondas e macabras que soem mencionadas em tom sério. Quase todo o livro é escrito com um tom melancólico que vai ficando mais ou menos aparente, dependendo da ação. Talvez resida aí a sua grandeza: Graça Infinita é uma obra mestra e, dependendo de como é lido, pode ser uma fonte de regozijo para muitos e de tristeza para outros tantos.


E isto não é tudo.
Há quem diga que o livro todo é uma grande exibição de conhecimento do autor, David Foster Wallace. Provavelmente não é o caso, mas, ainda que fosse, não haveria motivos para reclamações.  Graça Infinita é mais do que um manual: é um verdadeiro compêndio sobre tênis – faz sentido, já que praticamente todos os personagens de menor idade são estudantes da Academia de Tênis de Enfield –, estudos sobre a mídia, sobre o cinema e artes visuais, vícios – e não apenas por drogas –, linguística, ciência, tecnologia, relações internacionais e esportes em geral. E tudo aplicado ao texto de forma natural, claro, pois ninguém quer uma descrição de como funcionam lentes de câmeras no meio da narrativa. A não ser que isso tenha ou vá ter alguma função mais tarde.

Há quem também diga que o autor profetizou muitas coisas com este livro, mas, méh, é preciso ser muito bonzinho pra aceitar o que ele escreveu como profecia. Um dos casos: a expansão da internet, com o uso de teleconferência (“FaceTime”) e o Netflix. Os personagens mais jovens do livro se utilizam muito de “telefonemas com imagens” e assistem filmes fora da programação da TV o tempo todo. Sejamos sinceros: ver a internet crescendo e expandindo em 1996 talvez não fosse algum realmente difícil. Talvez fosse necessário um bocado de imaginação, mas não há nada de profético nisso. Além disso, os filmes e demais programas que os personagens assistem aparecem na forma de cartuchos, que foram substituídos pelos CDs bem na época do lançamento do livro.




Graça Infinita é uma obra coesa e fechada em si mesma, densa, múltipla, inteligente, engraçada, ensurdecedora, fria, triste e brutal, que não necessita de nenhum conhecimento do mundo exterior para ser degustada. Trata-se de uma desafiadora quantidade de páginas – sem falar que as mais de duzentas notas explicativas são parte essencial da trama e não devem ser ignoradas –, com a incitante quantidade de mais de quinhentas e cinquenta mil palavras, das quais cerca de vinte mil foram criadas por Wallace, que levou cerca de seis anos – talvez mais – para ser composto e lançado ao público.

É um dos livros publicados nos últimos trinta anos que vem resistindo bem à passagem do tempo e ganhando admiradores em muitos países. Esqueça tamanho. Ele ainda é menor do que o Parallel Stories do Péter Nádas e bem menor do que o The Instructions do Adam Levine. Graça Infinita merece muito ser lido. Não é uma leitura simples e com certeza não será uma leitura rápida, mas certamente será uma leitura marcante.

Ricardo M. 20/mar/2016 (lido em inglês)

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