O título assusta um pouco:
números primos. Causa um certo desconforto se imaginar lendo um romance que tem
como pano de fundo a matemática – ainda que existam, sim, muitos romances muito
bons com as ciências como pano de fundo – mas, não. Trata-se na realidade de um
romance sobre dois jovens que são extremamente incapazes de terem vidas
normais. No entanto, uma vez que apenas um romance romântico não funcionaria
para criar uma história satisfatória, o autor – na época, mestrando em física –
decidiu nos apresentar ali nas páginas de seu livro um pouco de seu mundo.
“Matemática e amor. Certo,
vamos enfrentar este livro.” Foi assim que tomei nas mãos este livro e, bastou
abri-lo e ler as primeiras linhas para que a fluidez do texto e a beleza das
frases se fizessem sentir. O desenrolar dos acontecimentos nos prende, Paolo
Giordano sabe como conduzir uma narrativa de maneira que mesmo eventos banais
pareçam envolventes.
Fica a pergunta: o que é solidão? Pois ela não é apenas
causada pela ausência de alguém a nossa volta. E é isto que este livro vem nos
provar.
Mattia e Alice não estão sozinhos. Ambos nasceram e foram
criados em famílias abastadas do norte da Itália (os eventos se passam, em boa
parte, em Turim), e são bastante amados por seus pais. Desde muito jovem Mattia
já demonstra uma habilidade incomum para os números. Alice é uma menina com
muita energia e uma imaginação bastante fértil.
Então porque estes dois amigos unidos pelo destino
simbolizam aqui a solidão?
Temos todos, arrisco dizer, feridas antigas e complexos
plantados no passado e que carregamos conosco, por vezes, até nossos últimos
dias. Entretanto, a maioria de nós aprende a lidar com esses problemas,
esquecendo-os ou apenas ignorando-os, como se nunca houvesse acontecido nada.
Ainda bem jovens, os dois se depararam com tragédias em
suas próprias vidas. Além disso, ambos fizeram por conta própria as escolhas
que levaram a estas tragédias e ambos sabem muito bem disso. É a consciência de
que suas escolhas ocasionaram seu sofrimento que torna a dor mais forte.
Números primos existem muitos. Centenas de milhares,
talvez muito mais. Porém, um número primo nunca se encontra ao lado de outro.
Vez que outra podemos averiguar a existência de um número primo bem próximo de
outro, o que é chamado de número primo gêmeo. Estão sempre perto um do outro,
estes números primos gêmeos, sem que jamais se encontrem, pois entre eles
sempre haverá um número par. Sempre haverá algo, uma barreira, entre os dois. É
possível que os dois números primos gêmeos desta história, Mattia e Alice,
estejam mantendo um equilíbrio perigoso, um malabarismo entre si que põe suas
próprias vidas em risco de se tornarem sem sentido. Estes dois personagens que
são ambos principais e que têm seus corações dilacerados por dentro e corpos
feridos por fora.
Tanto Mattia quanto Alice enfrentaram acontecimentos
trágicos em suas infâncias. Ambos momentos foram diferentes entre si, porém com
consequências marcantes para eles. A tragédia de Mattia feriu seu “coração”.
Ele, para conseguir tornar visível o que nem ao menos ele pode ver, registra no
próprio corpo o seu tormento. No caso dele, a tragédia interna da infância é
mostrada no exterior por ele mesmo, uma conexão entre corpo e espírito. No caso
de Alice, entretanto, é um pouco mais complicado. Ela sofreu com seu corpo um
acontecimento trágico irreparável, o que já seria suficiente para magoar seu
coração. Acontece que ela usa essa amargura em seu peito para ferir seu corpo
de outra maneira.
Estes dois
personagens feridos são importantes entre si pois são os únicos que compreendem
entre si e sem palavras o que o outro pode estar passando. E mesmo assim, não
são capazes de ser felizes juntos, pois estão sobrecarregados com o simples
fato de existir. É um livro recheado de dor, sofrimento e solidão.
“Acho que devia mudar” passando para “Preciso mudar já” e
que acaba no “Não consigo mudar, por mais que tente.” Acredito que todos nós já
passamos por um momento de conflito, mais ou menos intenso, desta espécie.
Mesmo a pessoa mais branda tem seu lado duro e imutável como um número primo.
No entanto, no caso de Mattia e Alice, o estágio “Preciso mudar já” extrapolou
as categorias conhecidas. Talvez seja este o mesmo motivo pelo qual não
precisam mudar mais.
A vida é repleta de perguntas e cheia de respostas. Porém
não são as respostas dadas que nos ajudam a viver. São as escolhas que fazemos
e que não temos outra escolha além de seguir que fazem de nós o que somos.
O livro não satisfaz o leitor com seu final. Sejamos
sinceros.
Este livro está escrito com um estilo muito próprio, no
qual uma miríade de fios simbolizando atos dos personagens acabam por guiar o
leitor ao que ele espera que possa estar além das últimas páginas do livro.
Ricardo M. 28/Julho/2016 (lido em inglês)
Ricardo M. 28/Julho/2016 (lido em inglês)
Li há tempos e senti o mesmo.
ResponderExcluirOi, Samanta!
ExcluirObrigado pelo comentário.
É realmente um livro que dá bastante pano pra manga e boas discussões :)
Li ele a muuito tempo atrás. Lembro pouco da história, mas lembro da decepção ao ler final também.
ResponderExcluirOi, Angélica!
ExcluirO final do livro foi decepcionante pra você?
Hmm.
Gostaria de saber o que foi que deixou você frustrada com a leitura.
Abraços!
Este comentário foi removido pelo autor.
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