domingo, 21 de setembro de 2014

Pastoral Americana - Philip Roth


Um manto sobre a deflagração

        Neste livro de 1997, Nathan Zuckerman, o alter ego de Philip Roth, entra mais uma vez em cena para recontar a história do seu ídolo de infância Seymour “O Sueco” Levov.



      Desde o início vemos que Nathan vai tecendo essa homenagem ao homem que descrevia muito bem o que se chamou de “the greatest generation", "a melhor geração”. Louro, alto, atlético, estrela do basquete na escola, peça fundamental no time de beisebol e ás do time de futebol americano, Seymour Levov era a prova viva da conquista através da perseverança e do trabalho duro de todos os imigrantes – mas principalmente dos judeus – que vieram de todas as partes para tentar a vida na América.

         Com sua capacidade esportiva, o Sueco poderia ter sido um atleta de carreira estupenda e fama contundente, porém é influenciado pelo pai a deixar o esporte de lado e dar continuidade ao negócio da família. Seymour se forma e passa a trabalhar integralmente com o pai na fábrica de luvas para senhoras, dando o melhor de si e aprendendo tudo que se pode saber sobre o couro, o trabalho em um curtume e a confecção de luvas.  

        Contudo, esse é apenas o prólogo da pastoral, que vem, como um manto de campos, flores, animais e vida bucólica, cobrir o caos que se vai formando na vida do Sueco.

       A narrativa demora um pouco para tomar forma. Nathan passa um bom número de páginas falando sobre o ser velho, doenças, mortes e conversas entre amigos da mesma idade. Até que surge o Sueco, e Nathan começa a nos contar a parte de sua vida que é publicamente conhecida, e que mal nos faz erguer uma sobrancelha, tal é a mediocridade de sua existência: o super esportista que se tornou empresário, nada mais. A superficialidade aparente da vida de Seymour é tão marcante que faz com que Nathan, ainda que curioso a respeito do ídolo, perca um pouco do respeito e interesse que outrora possuía. Isso até escritor começar a investigar sobre a vida do antigo herói, em busca de algo mais do que sua perpétua serenidade e bondade sem limites, e se depara com o inesperado. Perguntas sem respostas, fatos que parecem não se conectar com nada concreto. Teria o Sueco se casado com a Miss New Jersey para contrariar o pai e mostrar independência, ainda que uma única vez? Seria um casamento feliz? Teria ele criado no seio de sua própria família alguém capaz de um ato de terrorismo?

            “Pastoral Americana” é uma obra densa que trata de inúmeros temas, tais como a revolução sexual e social dos anos 60, a Guerra do Vietnã, o caso Watergate, o lançamento do filme Garganta Profunda, a política norte americana, a imigração (principalmente dos judeus) e a geração legitimamente americana, entre outros. Roth, na voz de Nathan e de Seymour, recheia o relato da vida do Sueco com doses de filosofia, bom humor e crítica social e política, criando uma narrativa cheia de ondulações onde os altos são bem altos e baixos, muito baixos.

            Ao longo das quatrocentas e oitenta páginas da versão brasileira, o leitor vai sendo colocado frente a frente com a mesma situação inúmeras vezes, sendo que cada repetição é apresentada sobre uma nova perspectiva, o que auxilia a desvendar os mistérios por trás da ascensão e queda do Sueco. As descrições ricas em detalhes sobre o trabalho na fábrica e a confecção de luvas tornam a rotina do Sueco uma parte de nós mesmos, parte essa que, após certo número de páginas, torna-se tão necessária quanto os próprios personagens.

           A obra foi listada pelo The New York Times como sendo um dos melhores escritos em ficção americana dos últimos trinta anos e está na lista com a cem maiores obras em língua inglesa do século XX. A obra recebeu o Prêmio Pulitzer em 1998. Trata-se de um romance com um apelo visceral, que, uma vez absorvido pelos olhos, se aloja em nosso âmago, para de lá não mais sair. Um romance grandioso na sua escrita e no seu poder de fazer pensar e influenciar ideias.


Ricardo Machado 18/08/2014 (lido em português e inglês)


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