Os Sertões de Vargas Llosa
Após ler Os Sertões de Euclides da
Cunha, o grande escritor peruano Mário Vargas Llosa ficou de tal maneira
impressionado, que acabou por embrenhar-se, ele mesmo, pelas veredas do sertão
brasileiro. Fruto das infinitas horas de pesquisa em bibliotecas e, inclusive,
de viagens ao Brasil para ver Canudos de perto, eis que nasce A Guerra do Fim
do Mundo.
Mal pude acreditar ao descobrir que
uma obra que se impõe com tamanha audácia pudesse contar trinta anos. Sua
relevância é absoluta e serve apenas para atestar a maestria da mão que a
trouxe à luz.
Dialogando constantemente com a obra
canônica de Euclides da Cunha, A Guerra do Fim do Mundo aborda o mais sangrento
conflito político da história do Brasil a partir de uma perspectiva literária.
E o resultado não poderia ser outro: o livro nos desnuda o caos, a violência, a
miséria e, acima de tudo, a ignorância - dos sertanejos, dos militares, dos
políticos, dos intelectuais, de todos os brasileiros em entender o que foi
Canudos.
Finda a leitura, não sei o que me
impressiona mais: se o realismo das batalhas, que se desenrolam numa
sofreguidão e dinamismo cinematográficos; se a vivacidade e cor com que Llosa delineia
seus personagens, tão memoráveis e assustadoramente brasileiros; se a narrativa
multifacetada, sinuosa, que ora nos conduz pela senda política, ora nos
abandona no sertão, em companhia dos obstinados e inescrutáveis sertanejos,
para em seguida resgatar-nos e levar-nos de volta ao ponto de partida e destino
final: à terra santa, mística, espartana de Antônio Conselheiro e seus
apóstolos.
Talvez
o que de fato mais me impressionou tenha sido a sagacidade do autor ao
apresentar-nos um Euclides míope, frágil, excêntrico. O jornalista
aspirante que se lançou a Canudos com o nobre intuito de oferecer um
relato apurado acerca do fenômeno que tanto atemorizava todo o país é incapaz
de compreender o que viu. Apesar de ter estado lá, na guerra, na poeira, no
sangue, o Euclides de Llosa é incapaz de explicar Canudos. Quebraram-se-lhe os
óculos a meio caminho e, cego, ele passa a tatear na escuridão o desenrolar da
guerra, tentando tão-somente sobreviver, a fim de poder contar não o que viu,
mas o que ouviu, sentiu, sofreu. Pois ao ler A Guerra do Fim do Mundo, pude eu
também sentir no rosto o calor das chamas que engolfaram o sertão baiano e
clamaram tantas vidas. E tal qual o jornalista míope, ao fim da jornada, também
eu não tenho palavras para contar o que vi. A guerra em Canudos retém, ainda
hoje, aquele ar dúbio de mito - foi absurda demais para ser verdade, e por
demais absurda para não o ser.
Filipe Kepler 03/Fev/2016 (lido em português)
Ótima dica de leitura, importante para conhecer a nossa história.
ResponderExcluirOi, Heloisa!
ExcluirCanudos é um dos acontecimentos mais importantes e estranhos da nossa história. Tão interessante que o recipiente do Nobel, o peruano Vargas Llosa se deu ao trabalho de pesquisar e relatar o que encontrou. Uma obra maior, com certeza.
Abraços e até logo :)