Pamuk e Istambul: um caso de amor e arte
Desde minha leitura
de “Neve”, que muito me agradou e que
estimo como um belo, trágico exemplar de “romance político” (se é que tal
gênero existe), tomei interesse pelo Prêmio Nobel turco Orhan Pamuk. Seus
comentários inteligentes em entrevistas, bem como a perseguição e censura
reincidentes do próprio país contra seu grande escritor instigaram-me ainda
mais em conhecer melhor sua vida e obra.
Por essas razões,
decidi-me por ler “Istambul”, obra de caráter, em parte, autobiográfico. Digo
“em parte” porque “Istambul” é mais do que mera autobiografia. Pamuk, apesar de
seu sucesso internacional, jamais abandonou sua cidade natal e continua a viver
em Istambul até hoje. Por conseguinte, ao recordar sua própria história – a
família, a infância, adolescência e maturidade - Pamuk também rememora
inevitavelmente a história da própria cidade, com seus artistas, jornalistas,
historiadores e poetas que, de diversas maneiras, influenciaram o escritor
turco.
Nessa relação entre
cidade e autor é que jaz a beleza deste livro. Pamuk ama Istambul de todo o
coração e sua paixão pela cidade se reflete nas belíssimas descrições de suas
vielas abandonadas, suas mesquitas magníficas e suas antigas mansões que
incêndios do passado riscaram da paisagem da cidade. Istambul salta das páginas
com cor e textura vívidas, que prendem o leitor e compelem-no a também
perambular e perder-se, já apaixonado, pelos caminhos misteriosos dessa cidade
imersa em neblina, ao mesmo tempo fascinante e melancólica.
Além de rememorar
importantes acontecimentos na história de Istambul, Pamuk nos relata
simultaneamente a saga de sua grande família. E que história! A relação
conturbada dos pais, as brigas, bem como a amizade com o irmão mais velho, as
aventuras criadas pela imaginação sem fronteiras do jovem Orhan – Pamuk põe em
tudo e em todos um tom romanesco tão forte, que por vezes esquecia-me de que
lia uma biografia. A história do menino tímido que gostava de pintar dá notas
de romance de formação, mas não ao ponto de prejudicar o dueto real, vivido e
sofrido, entre cidade e escritor.
“Istambul” é
deveras um belíssimo livro de memórias. Pamuk rememora com sensibilidade não
somente sua história pessoal e familiar, como também a da própria cidade. Os
caminhos do jovem Orhan e Istambul estão de tal maneira interligados que se
confundem, criando um labirinto do qual emergem sucessivamente querelas
familiares, história, infância, passado otomano, primeiro amor, arte...
Seduzidos por uma narrativa leve, envolvente, descobrimo-nos logo perdidos
pelas vielas, pontes cemitérios, lojas e ruínas desta cidade bipartida entre
Oriente e Ocidente. A cada página, a cada esquina visitada, passamos a
partilhar com seus habitantes da melancolia de Istambul, que tamanho fascínio
exerceu sobre um jovem artista que perambulava suas ruas em busca de sua
verdadeira vocação.
Filipe Kepler 14/09/2014 (lido em inglês)
Olá. Te indico "Meu nome é vermelho" do autor. Uma história contada por muitos narradores, sendo eles pessoas, árvores, cães e cores. Maravilhosoo
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