No Atonement for Novelists
"Atonement" foi considerado um dos grandes
romances dos últimos anos. Ambientado na Inglaterra da década de 1940, no
início da Segunda Guerra Mundial, o romance de 2001 do inglês Ian McEwan narra
a trajetória de Briony Tallis em busca de reparação pelo crime que cometeu na
adolescência.
Tudo tem início numa noite de verão de 1935, antes de
um grande jantar em família. Contando treze anos, a jovem e imaginativa Briony
acidentalmente presencia, na biblioteca de casa, o despertar da paixão entre a
irmã mais velha, Cecília, e seu amigo de infância, Robbie Turner. Interpretando
aquilo que ainda não compreende, Briony acredita que Robbie estivesse atacando
Cecília e passa a ver o rapaz como um maníaco que precisa ser detido. Ainda na
mesma noite, Briony flagra, na escuridão da propriedade dos Tallis, sua prima
Lola ser violentada e, apesar de não ter visto o rosto do agressor, acusa
Robbie com férrea obstinação e denuncia-o às autoridades. Este é então algemado
e levado pela polícia.
Eis o motivo central da obra, eis o pecado que Briony
passará o resto da vida tentando expiar: deixando-se levar por sua imaginação e
um imaturo senso de justiça, a caçula dos Tallis manda um homem inocente para a
prisão, transformando para sempre a sua vida e a de toda a família.
Após o desfecho da fatídica noite de 1935, há uma
cisão na narrativa e o autor nos transporta para o conturbado cenário bélico de
1940. A partir da perspectiva de Robbie, acompanhamos os destinos dos dois
amantes que se viram prematuramente separados pela injusta acusação da irmã de
Cecília e, mais tarde, pela Segunda Guerra Mundial. Tematicamente, o romance
aqui se abre, pois, à parte da tragédia familiar, McEwan aborda também a
tragédia histórica: a brutalidade do campo de batalha, a iminência da morte,
bem como os reveses sofridos pelas forças inglesas na França, no início da
guerra.
Todavia, o relato de Robbie apenas não basta. Uma vez
que toda história tem dois lados, o autor em seguida nos reapresenta o ano de
1940, porém desta vez pelos olhos de Briony, já com dezoito anos. Esta sofre
terrivelmente pelo crime que cometera no passado e, consumida pela culpa, vive
cada dia de sua via tentando repará-lo. Sacrifica inclusive seu futuro
acadêmico – a vida confortável de intelectual em Cambridge – para trabalhar
como enfermeira em Londres. Sua escolha por um trabalho braçal, absolutamente
desintelectualizado, sob o jugo de uma rotina dura e extenuante, evidenciam sua
ânsia por expiar seu crime. Briony procura às cegas uma forma concreta de ser
útil à sociedade, de pagar com seu suor pelo dano que causou.
A narrativa de Briony ilustra de maneira exemplar o
talento do autor. Confrontados com seu remorso e a saudade da irmã que a
renegou, é quase impossível não nos solidarizarmos com ela. Seu relato
obriga-nos a ver o outro lado da história – o lado da acusadora que, depois,
tornou-se acusada; obriga-nos, se não a perdoá-la, ao menos a entendê-la. Não
nos é oferecido o caminho mais fácil, isto é, o de demonizá-la e outorgar-lhe a
condição inafiançável de antagonista. Absolutos são sempre rasos e, em se
tratando de literatura, pouco interessantes. Ao permitir que vejamos o mundo
pelos seus olhos, McEwan a humaniza, aproxima-a de nós, de nossos próprios
erros e arrependimentos. Ao fim e ao cabo, sofremos não só por Robbie e
Cecília, mas também por Briony e por tudo que ela perdeu.
O prestígio junto ao público e os
arroubos da crítica que o romance angariou à época de sua publicação não foram
infundados: calcado sobre uma linguagem refinada, que beira o lirismo sem dar
margem para sentimentalismos, o romance de Ian McEwan é simplesmente
arrebatador. Sua temática nos remete inevitavelmente ao célebre romance de
Dostoiévski “Crime e Castigo”, na medida em que revisita a problemática
“transgressão-redenção”, porém sob um contexto histórico e perspectiva
diferentes. A luta inglória de Briony Tallis por conciliar-se com seu passado é
uma verdadeira pérola da literatura contemporânea e merecedora do mais alto
apreço.
remete a crime e castigo por favor mto bem guardadas as proporções...
ResponderExcluirboa leitura
abraço
Sim, tens razão, Ricardo. Referi-me ao Crime e Castigo por o romance revisitar a questão do "crime e arrependimento". Nesse sentido, a angústia de Brioni lembra a de Raskolnikov. Claro que, ao contrário deste, Brioni "pecou" por ingenuidade, e não premeditação. Creio que tu há de concordar.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Abraço, amigo!
Filipe K.
Oi!
ResponderExcluirNão conhecia esse livro, mas já me apaixonei por ele.
Amei a seu resenha.
Beijokas!
http://viciadaporlivro.blogspot.com.br/
Oi, Kênya!
ResponderExcluirQue bom que você gostou!
É sim um grande livro de um grande autor.
Também recomendamos "Serena" e "Amsterdã" dele.
Abraços!
Gostei da sua resenha Ricardo :))
ResponderExcluirhttp://sociedadedolivroblog.blogspot.com.br/?m=1
Oi, Letícia!
ResponderExcluirFicamos felizes por você ter gostado :)
Ricardo & Filipe
Editores
Ricardo, passando por aqui e gostando muito do que vejo. Ian McEwan é um dos meus escritores favoritos. Principalmente porque trabalha com insinuações, com discrição assumindo que o leitor é inteligente o suficiente para entender meias palavras. Aliás esta é uma das virtudes da literatura britânica do século passado e deste [incluo sem distinção aqui as Irlandas independente ou não] de longe a tradição literária que mais prezo. Boa resenha. Parabéns pelo blog
ResponderExcluirFicamos muito felizes com a sua visita, Ladyce. Ian McEwan é de longe um dos mais habilidosos tecelões das palavras e se enquadra no que poderíamos chamar de Alta Costura da literatura moderna. Acho importante você apontar para o fato de que ele assume que seus leitores são inteligentes. Me faz lembrar de comentários semelhantes de Umberto Eco, que dizia que "existe o que o leitor acha que quer e o que ele realmente quer e não sabe." Os mestres sempre sabem como agradar.
ResponderExcluirAbraço,
Ricardo M.